domingo, 2 de novembro de 2008

Maria Gabriela Llansol e os gatos


“No exílio da Bélgica, em Jodoigne e Herbais, Maria Gabriela Llansol tinha muitos gatos.
Em Sintra, nos últimos anos, era só Melissa, a gata de pêlo macio e farto, branco-e-amarelo, olhar doce, que a Maria Gabriela sempre viu e tratou como ser inteligente e superior.”
J. B.


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Os olhos que se lhe abrem de manhã saem
Rapidamente para o telhado e para os sons
Que, imagino, escuta pela abertura das pupilas.
Os extremos da rua, onde nunca foi, dizem-lhe,
Todavia, que alguém passa para ela, Melissa,
Não para mim, para ela, com o som cadenciado
Dos sinos actuais, já modernos. E tropeço.
Moderno é um termo que me intriga, que briga
Comigo, que não se torna compreensível,
Nem no limiar dos sinos. Tomo-o por uma
Abstracção indecisa, um prazo que trai um
Evento futuro sem, contudo, o espelhar. Em suma,
Pouco se distingue das extremidades da rua
Onde nunca foi. É uma palavra irresponsável,
Sem resposta para o antes, o decurso e o depois.
E, quando assim concluo, Melissa é moderna,
Actualiza, obriga-me a descer à rua inquirir
De visu o que, desde então, se alterou.

Maria Gabriela Llansol
In O Começo de Um Livro é Precioso (Assírio & Alvim, 2003)

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